O direito de acesso à justiça: rumo a um instrumento ibero-americano

Freddy Ordóñez Gómez

Investigador y presidente de ILSA. Integrante del Centro de Pensamiento Amazonias (CEPAM) Twitter: @Freddy_Ordonez

Ao final de 2024, realizou-se em Santiago do Chile o Encontro regional Avançando Rumo a uma Convenção Ibero-americana de Acesso à Justiça, um espaço organizado pela COMJIB, o PNUD e o Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos do Chile. O encontro promoveu o debate público entre ministros e delegados dos ministérios da Justiça da Ibero-América, organismos internacionais, sociedade civil e comunidade acadêmica, que compartilharam ideias em torno do projeto de instrumento regional, sobre o qual, como mencionei em outro artigo de opinião, se trabalha desde 2021 e que apresenta grande importância por pelo menos três razões, as quais apresento a seguir.

Em primeiro lugar, o projeto apresenta o acesso à justiça como um direito que possibilita a garantia de outros direitos. As discussões levaram à definição do acesso à justiça como o direito de “conhecer e exercer seus direitos, e de contar com recursos e serviços de apoio jurídico eficazes, bem como com instâncias judiciais, administrativas e informais adequadas para obter soluções justas para suas necessidades jurídicas”, em conformidade com as estipulações de direitos humanos, sendo titulares desse direito tanto indivíduos quanto coletividades. A definição e as disposições do articulado superam o entendimento limitado do acesso à justiça como mera parte do devido processo judicial; conferem prioridade ao direito material e à realização efetiva de direitos, à obtenção de soluções justas, substanciais, de implementação rápida, integral e eficaz. Não se limitam ao sistema judicial estatal e incluem instâncias administrativas e outras formas de justiça.

Em segundo lugar, a proposta de instrumento inclui o empoderamento jurídico, definido como “a promoção do conhecimento e uso dos direitos, das leis e do sistema jurídico por parte de pessoas e comunidades, com o objetivo de encontrar soluções jurídicas e institucionais adequadas para visibilizar e resolver suas necessidades jurídicas”. Estabelece-se que o empoderamento deve ser favorecido por medidas de informação e educação em direitos que os Estados devem adotar como parte de seus compromissos, por meio de entre outras, políticas públicas de formação em direitos e de divulgação do direito de acesso à justiça e dos procedimentos para sua efetivação. A finalidade da educação jurídica é possibilitar a ação das pessoas frente aos obstáculos e barreiras que impedem o gozo efetivo dos direitos e a superação da injustiça. Trata-se, portanto, de uma educação jurídica orientada ao empoderamento jurídica, abordagem que, numa apropriação contra-hegemônica e a partir de uma prática jurídica crítica, tem sido definida como “o esforço para garantir que as pessoas possam conhecer, usar e transformar o direito para alcançar justiça”, transformações essas que podem incluir transformações sistêmicas. A importância do empoderamento jurídico é evidenciada por pesquisas acadêmicas publicadas recentemente e por sua incorporação nos relatórios da Relatora Especial sobre a independência de juízes e advogados, Margaret Satterthwaite.

Por fim, como terceira razão, o articulado evidencia a necessidade de garantir o direito de acesso à justiça para pessoas em situação de vulnerabilidade. O projeto de Convenção apresenta a centralidade nas pessoas como um princípio de interpretação e implementação, e também são princípios a perspectiva de gênero, a interseccionalidade, a pluriculturalidade, a igualdade e a não discriminação. Isso está articulado com a identificação de pessoas e grupos em situação de vulnerabilidade como aqueles que, por razões físicas, socioeconômicas, culturais, entre outras, “enfrentam dificuldades especiais para exercer plenamente no sistema de justiça os direitos reconhecidos pelo sistema jurídico”. No caso nacional, a Corte Constitucional identificou, em 2021, um total de 27 grupos populacionais vulneráveis. Para esses grupos, com a Convenção, deverão ser adotadas medidas eficazes e necessárias para garantir o acesso igualitário à justiça. Da mesma forma, deverá haver formação e sensibilização em direitos humanos para os funcionários e demais pessoas relacionadas na resolução de conflitos.

Na Colômbia, recentemente têm ocorrido avanços importantes em matéria de acesso à justiça, que aprofundam e ampliam o estabelecido na Constituição Política e estão em consonância com os três elementos destacados do projeto de Convenção Ibero-americana. Entre esses avanços estão: a estipulação constitucional da jurisdição agrária e rural; o projeto de lei que modifica o Código da Infância e Adolescência, para incluir e aprofundar mecanismos de justiça restaurativa e terapêutica no sistema de responsabilidade penal para adolescentes (PL 416/25S); assim como o projeto normativo que estabelece a coordenação e articulação entre a Jurisdição Especial Indígena e o sistema judicial nacional (PL 287/24S), ambos de iniciativa do atual Ministério da Justiça e do Direito.

Saudamos a estipulação de um instrumento ibero-americano sobre o direito de acesso à justiça centrado nas pessoas em situação de vulnerabilidade, que poderiam ter na Convenção uma ferramenta importante para a garantia de seus direitos, pois, como afirmamos desde a sociedade civil, “Só é justiça se você puder acessá-la”.

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