02 Feb Inglórios generais ii
Que eles tentaram o golpe, nenhuma dúvida. Mas algumas perguntas precisam ser respondidas: quem, como, quando, onde, por quê? Algumas parecem fáceis, mas sempre há um desdobramento, uma extensão que deixa uma pulga atrás da orelha. Por exemplo, o ‘como’. Será que os líderes, os ‘quem’, queriam quebrar tudo ou só tomar os palácios e esperar os salvadores da desordem? Ainda sobre os ‘quem’. Será que Bolsonaro, o Jair, liderava o movimento de forma secreta e astuta? (astuta é uma licença poética e secreta retórica) Ou havia outro senhor liderando para ele ou apesar dele? Digo senhor porque está descartada a hipótese da liderança ser de uma mulher, não ia ser tão grosseira, por isso que o Exército não tem mulheres no comando. Ou estou iludido? Há mais desdobramentos da questão ‘quem’. Mas vamos analisar tudo isso sem método, num livre pensar, afinal, parece que o golpe mesmo não teve método. Ou não terá sido benpensado na organização e execução escatológica?
Os líderes, ou beneficiários dos atropelos e atrocidades de 8 de janeiro não estavam lá, isso é certo. Quer dizer, o ‘quem’ não estava lá. Lá havia pau mandado, nenhum general. Mas os líderes articuladores queriam mesmo depredar, rasgar quadros, quebrar estátuas, destruir cadeiras, vidros e mesas? Pelo menos queriam causar desordem tão grande que houvesse necessidade de restabelecer outra ordem diferente da do governo recém-empossado. Bolsonaro disse mais de uma vez: “vocês sabem o que fazer”, será que sabiam, teriam recebido orientação de quebrar tudo especialmente obras de arte? Ele mesmo provavelmente faria assim, atacaria sem dó quadros, estátuas etc, afinal pensa que arte é coisa de vocês sabem quem! Mas vejamos, se não tivesse quebradeira haveria ordem a reestabelecer? A ordem veio de um comandante: – quebrem tudo! Claro, cada um quebrou o que estava ao alcance ou o que lhe parecia mais divertido ou mais desordeiro. Quem arrancou a porta do armário do Ministro Alexandre de Morais imaginou, orgulhoso, que estaria fazendo um grande feito, que vergonha seria revelar as vestes talares do Ministro (nem talares são aquelas capinhas). Mas a ordem não foi individual: quebrem, cada um sabe como!
Mas será que o grande chefe, general em comando queria restabelecer a ordem reempossando Bolsonaro? Duas hipóteses: não, encontraria alguém mais … astuto; sim, Bolsonaro incomoda pouco como chefe de estado, fica passeando de jet ski, moto, comendo pastel e derrubando os farelos, tudo bem pago pelo cartão corporativo, enquanto os mais astutos vão fazendo o que deve e precisa para não deixar o comunismo avançar, por exemplo, comprando viagra e conseguindo um carguinho a mais. Mas outras hipóteses são possíveis, é só pensar. Livre pensar. Juridicamente, e os fascistas gostam de dizer que obedecem à ordem jurídica, por isso roubaram o exemplar da Constituição do STF, era difícil reestabelecer Jair no poder, então, já que tem que inventar um jeito, poderiam instalar qualquer um na cadeira presidencial. As Forças Armadas já fizeram isso em 1964, sempre haverá um jurista criativo à disposição. A história saberá! Ou não será contada?
Tem gente comparando o assalto aos palácios à invasão do Capitólio de 6 de janeiro de 2022. Pode ter sido a inspiração da turba, mas a ação pareceu mais com outra invasão de 90 anos atrás, o criminoso incêndio da Reichstag, em 27 de fevereiro de 1933. Mas, mais uma vez, como é que iriam encaixar a volta do Jair, que já era só um ex. Em Berlim botaram fogo no parlamento e puseram a culpa nos comunistas que tudo que queriam era um parlamento funcionando, mas uma polícia e um juiz parciais confirmaram que foram os comunistas, então, quem estava no poder, ficou. Mas os líderes do golpe de 8 de janeiro não esqueceram que a tática do Reichstag foi com polícia e juízes parciais, o que foi fácil de conseguir, mas sem câmeras e publicações ao vivo. Bem que alguns tentaram dizer que eram infiltrados petistas, mas os petistas não saíram nas fotos.
O brilhante pensamento dos comandantes foi de que o assalto não poderia ser contido nem pela Polícia Militar do Distrito Federal, acéfala pelas férias do secretário Anderson, nem pela Polícia Federal, sem contingente de choque suficiente, nem pela Força Nacional, que não teria tempo de juntar soldados, restaria ao Exército Nacional, quem sabe ajudado pela marinha e pela Aeronáutica, salvar a pátria da mão dos vândalos.
Uma coisa porém é certa, não houve invasão, nem incêndio. A turba pau mandada encontrou as portas abertas e sem resistência, então não dá pra dizer que houve invasão, tampouco houve incêndio, só quebradeira, nenhum único tiro foi disparado, ferimentos, se houve, foram de cacos de vidro estilhaçados. É como se o gerente fizesse parte da quadrilha e abrisse a porta do cofre do banco.
O brilhante pensamento dos comandantes foi de que o assalto não poderia ser contido nem pela Polícia Militar do Distrito Federal, acéfala pelas férias do secretário Anderson, nem pela Polícia Federal, sem contingente de choque suficiente, nem pela Força Nacional, que não teria tempo de juntar soldados, restaria ao Exército Nacional, quem sabe ajudado pela marinha e pela Aeronáutica, salvar a pátria da mão dos vândalos. Melhor não chamá-los de vândalos, que foram um povo que dizem que destruíram o sul da Europa e o norte da África para estabelecer um império, mas os europeus não fizeram igualzinho na América, com muito mais sucesso? Vamos então chamá-los de criminosos, simplesmente. A ironia é que os criminosos que assaltaram os palácios eram pau mandados dos mesmos senhores que salvariam a pátria de suas ações. Aqui, no livre pensar, criminosos seriam os que diziam estar salvando e os salvadores, afinal, foram os que cometeram atos criminosos. A confusão está muito grande, melhor parar de pensar. O fato é que imaginavam que enquanto os criminosos salvavam a pátria o governo federal ficaria inerte e como agradecimento entregaria o poder a sabe lá quem.
Muitas perguntas ficaram sem respostas, o inquérito responderá algumas e a história responderá o resto, quem sabe.
Voltando a pensar, porque os atos foram somente no dia 8, domingo, e não dia 1º, também domingo, ou um domingo qualquer de dezembro? O golpe salvador teria que ser depois da posse, porque senão, a incompetência de não contê-lo seria do antigo presidente e o poder teria que ser entregue ao presidente eleito. Dia primeiro não poderia ser, porque havia muita gente na posse e seria um tumulto generalizado, com risco dos fascistas serem derrotados, seria uma guerra campal. E, pior, a incompetência seria sempre do governo velho, já que o novo nem tinha tomado posse. O melhor dia seria domingo, 08/01, de fato. Estratégia certa, chance de juntar mais gente fantasiada de patriota, menor tensão nos palácios. O dia tinha ser aquele domingo. Então teve muito planejamento, sim.
Não tinha como dar errado. O secretário de segurança do DF em Miami, quem assumiu nem sabia onde encontrar a tropa, PM desmobilizada, governador pouco atento ou dissumulado, bastava dar informação imprecisas ou falsas para o Ministério de Defesa que repassava ao da Justiça. Em matéria de informações falsas, essa turma é sabidamente profissional. Não tinha como dar errado: Truco! Tinham as cartas na mão e o adversário aparentemente sem cartas, sem defesa, sem saber como agir, a receita perfeita da incompetência. Só que não! O governo que tomara posse e ainda não tivera tempo de se organizar plenamente, não sabia do golpe, mas o esperava. Tinha uma carta poderosa, absolutamente incompreensível para os golpistas, a competência de tratar com situações adversas, a sabedoria que nasce do povo e que sabe enfrentar a violência da arrogância. O governo, mais civil do que nunca, não pediu arrego aos generais, resolveu com as forças civis, com os governadores, com ordens diretas e legítimas às polícias. Os criminosos não puderam mostras as cartas, eram fracas e exporiam os mandantes, os comandantes, os inglórios generais. Nem as cartas puderam mostrar, rabo entre as pernas, tornozeleiras na canela, algemas nas mãos, perderam. Mais uma vez, como se de nada soubessem, os generais vão repetir a frase: “nem sabia que torturavam”.
Muitas perguntas ficaram sem respostas, o inquérito responderá algumas e a história responderá o resto, quem sabe. Mas atenção, há uma lição a ser tirada do episódio. Os porões não foram abandonados, ao contrário, estão ocupados pelas mentes mais malignas, pelos fascistas mais grotescos, daqueles que espumam ao escutar a palavra arte e suam de medo ao saber que em alguns corações existe o amor. E esses moradores dos porões, que sempre saem a luz do dia fantasiados de patriotas ou religiosos, continuam conspirando, não são muito competentes, mas tem gente criativa que os ajuda e, o que é muito pior, estão armados.
Para combatê-los, nada melhor que muita arte, amor, fraternidade e emoção. Riso também faz bem! Mas, ao mesmo tempo que devemos extirpar todo ódio de nosso coração, devemos exigir justiça e cada um que cometeu o crime, destruindo, mandando destruir, financiando a destruição deve cumprir exatamente com o mandamento da lei. Nossa exigência deve ser singelamente que o sistema de justiça penal funcione rápido e justo, sem juízes parciais e sem procuradores submissos.
Sem anistia!
P.S.: INGLÓRIOS GENERAIS I foi publicado no dia 1º de agosto de 2020, nesta revista: (AQUI)
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