Licença Ambiental ou consulta à natureza?

Carlos Frederico Marés
Carlos Frederico Marés

O Direito, e a sociedade capitalista que ele organiza, acha que a natureza é muda, submissa e que, se deixada sem intervenção humana direta, atrapalha a vida inteligente. Mas a partir do final do século XX ficou claro que a avassaladora destruição causa danos também à vida humana. Ficou claro, apesar de muitos continuarem intencionalmente de olhos fechados. Uma parte da sociedade, de olhos abertos, consciente e lendo os fenômenos, avançou na prática de um Direito que restringisse a ação humana para que não destruísse todos os seres vivos. Alguns por amor, chamados de ingênuos, outros por razão lógica, chamados de cientistas, outros por motivação ética, chamados de ambientalistas ou socioambientalistas, entendendo que acabar com os outros é acabar com a própria humanidade e que todas as formas de vida contam, passaram a postular que esses direitos à vida entrassem nas leis. Os dos olhos fechados continuaram a apostar no velho padrão colonial para tirar da natureza tudo o que pode ser chamado de riqueza. Apostam na devastação!

Essa disputa humana, interna à sociedade hegemônica, é vista com horror pelos povos, comunidades e grupos de gente que mantém sua vida próxima a outras vidas não humanas, como os povos da floresta, dos campos, das águas, dos manguezais, das montanhas e do mar. Mas a disputa continua sendo interna à sociedade hegemônica, capitalista, acumuladora de riquezas materiais.

Essa disputa tem se dado dentro do mundo das leis, chamado mundo jurídico, fazer leis, ou não fazê-las, interpretá-las, negá-las ou violá-las. Tudo, nesse mundo, parece existir na fluidez do discurso e no império da norma cogente e violada. Nesse mundo a violação da norma, e portanto a destruição, se compensa com um punhado de ouro. A aposta na destruição pode valer a pena. O fenômeno, a realidade, a vida, o sofrimento e o amor estão fora desse mundo e não entram nos atapetados escritórios onde isso se discute e decide. E é assim que o Direito é inventado, legislado e criado e aplicado segundo as regras não da sabedoria, mas dos interesses da sociedade hegemônica, normalmente para continuar ser hegemônica e para manter a acumulação da riqueza não viva.

Os ingênuos, racionais e éticos conseguiram grandes avanços a partir da segunda metade do século XX e instituíram no Direito algumas leis de proteção da natureza que os mais ousados chegaram a chamar de direitos da natureza. Entre esses instrumentos de proteção foi criada a Licença Ambiental. Nome estranho sob vários pontos de vista, mas aceito como um avanço legislativo. É uma espécie de licença para substituir a natureza por outra coisa, digamos assim, artificial. Na prática, é uma licença para destruir a natureza de um local, substituindo-a por uma utilidade humana. Essa substituição sem licença foi sempre a essência da prática colonial, com a licença, porém, estaria cercada de cuidados, precauções, prevenções e, em casos extremos, restaurações…

Nota:

[1] https://www.youtube.com/watch?v=Wvo_uboAzKM

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